Cap 89- Ironicamente nada

Verdade? Seria verdade ou apenas estaria ouvindo demais?

Diego não esperava e firma-se abobado frente a ela.

-Como?

-Tá muito frio... Vem logo que eu tô com sono... –Roberta é séria ao se virar para o canto da parede.

 Diego se aproxima e se senta na cama retirando os sapatos.

-Ah... –Ela vira de volta. –Mas se relar um dedo em mim eu te jogo da cama a baixo, ouviu?

-Ouvi...

 Diego aceita e vai se deitando ao lado dela, o que faz a cama velha ranger. De costas um para o outro e dividindo um só cobertor eles começam a cochilar. Estão tão perto e ainda assim é como se houvesse um muro entre eles.

 Vai até o dia amanhecer e Diego não consegue dormir. Vê o sol despontar fraco atrás do muro em frente, anunciando um dia fresco. Com um gesto que denuncia remorso, ele se vira para olhar Roberta, mas teme tocá-la. Os ombros despontam sob a coberta que ele já havia deixado só para ela que se encolhe, se mexe inquieta no clarear, como se estivesse tendo um pesadelo.

-Hm... –Ela vira para o lado dele com uma péssima expressão no rosto.

 Ver como ela está perdida em alguma escuridão e que poderia ser por sua culpa deixa Diego ainda pior. Não aguenta ficar olhando e também se vira de lado, ficando de frente a ela.

-Shiu... Tá tudo bem... –Ele pronuncia quase imperceptível um som arrastado. Leva a mão de leve sobre seus olhos tensos. –Ninguém vai te fazer mal... Nem eu...

 O rebelde recosta a cabeça no travesseiro duro e desconfortável. Repousa os olhos nos contornos da face dela a guardar cada pedacinho enquanto Roberta estando inconsciente não pudesse proibi-lo disso. Leva os cabelos dela para trás da orelha, revelando um brinco prateado em forma de asa. Ele sente nas pontas dos dedos a textura de seu rosto e se lembra de como é bom senti-la assim, tanto que chega a deixar um dolorido nó na garganta.

 Diego arrisca um carinho sobre ela segundo após segundo. Os cílios tão próximos de sua visão se mexem, mostrando ainda um mal estar.

-Pode dormir meu amor... –Ele tenta acalmá-la. –Não tem perigo... E se tiver eu te salvo. –Ele sorri.

 Com o som de sua voz e o toque de suas mãos, ele vai aos poucos fazendo com que ela vá tomando serenidade.

-Eu enlouqueci de imaginar que outra pessoa pudesse ter você assim tão perto. -As palavras saem em cochicho enquanto os olhos pesam. -Que pudesse te fazer carinho... Que você o beijasse com tanta paixão quanto me beija... Eu fui longe demais pra sentir que ainda era minha... Não entendi que provando isso eu podia te perder...

 Roberta parece sonhar agora, mas também parece presente. Está com um pé na realidade e um no espaço, ouvindo e ignorando o que de um jeito e outro estava chegando até seus ouvidos que talvez tudo ou nada ouvissem...

-Eu fiquei cego... Um idiota inconsequente... –Ele vai apagando enquanto a acaricia. –Só queria que me deixasse dizer isso quando tivesse acordada...

 Nesse momento ela dá um suspiro e arreda para frente agarrando a mão de Diego que se surpreende. Ela pega a realidade e leva para o sonho, pega um toque humano e faz com que tenha sentido na alma. É o que as pessoas instintivamente sabem fazer.

 Para Diego é motivo para sorrir, como se em algum lugar da mente dela suas palavras estivessem sido guardadas e mesmo que quando acordasse ela não se lembrasse, sentiria tudo que aconteceu e saberia sem entender que ele acima de tudo a ama.

 Enquanto isso não pode ser provado, o rapaz se satisfaz com o fato de ter a mão entre as dela, encostada em sua bochecha macia, apertado no calor que vinha do pescoço dela e tendo o braço junto à seu peito. Se pediria mais alguma coisa?... Nada mais...

 Pequeno apagar e silêncio absoluto durante algumas horas. Eles precisam da vida, do ar, do murmúrio enlatado da preguiça em cada centímetro daquele quarto para sentir o cansaço, o medo e todos os problemas partirem sem volta.

 Roberta acorda com o sol lhe incomodando os olhos. Um raio claro faz um reflexo colorido em tons rosados no vidro da janela e ela desperta aos poucos ainda sem rumo. Logo se localiza e se percebe respirando um cheiro conhecido, algo que lhe dá segurança. O cheiro dele.

 Sorri sem querer ao ter a sensação de alguns dedos entre os seus. Maiores e levemente contrastando as cores ela tinha a mão de Diego amarrada a sua. Tem a visão dele frente à frente, com o cabelo negro todo bagunçado e já sem camisa. Teria tirado quando, que não viu? Não importa. Se lembra bem de como adorava que ele dormisse assim quando podiam dormir juntos. Quando tinham toda vontade e todo o direito.

 Roberta vai como que instintivamente fechando os olhos ainda com sono. Chega a pontinha do nariz próxima a mão dele como se pedisse um carinho. Um sorriso bobo sai sem que possa impedir e acaba por apagar outra vez.

 Ainda antes das dez da manhã, Diego desperta sem abrir os olhos, estica a mão que procura por ela, mas ao perceber que não está ele se levanta.

-Roberta?

-Ah, até que enfim... –Ela abre a porta com uma sacola em mãos.

-Onde você tava?

-Busquei suco e algumas frutas pra gente. –Ela se senta na cama ao lado dele com um prato. –Não achei seguro comer lá em baixo com aquele povo estranho. O velho não gostou da ideia de tomar café aqui e disse que se a gente sujar vai ter que pagar mais.

-Nossa...

 Entre um gole e uma mordida em uma maçã eles se olham, mas logo desviam para disfarçar.

-Vamos embora logo, se não vão achar que morremos... –Roberta levanta e Diego agarra seu braço.

-Espera!

 Ela ouve as próprias contrações do coração, mas se mantém na pose.

-A gente não pode esperar.

-Eu quero falar com você sobre o que aconteceu.

-Não precisa, é só criar juízo e deixar esses rachas!

-Eu não to falando disso... –O garoto dá um passo a frente e ela reage insegura, como poucas vezes ele a via ficar.

-Então eu não sei do que você tá falando!

-Sabe sim... –Ele insinua. –O que aconteceu entre a gente.

-E o que aconteceu entre a gente?

-Muita coisa... –Ele não pretende deixa-la sair tão fácil.

-Eu realmente não sei do que se trata...

-Roberta...

-Eu não sei! –Ela interrompe. –Eu sei o que eu fiz... Mas não sei o que você fez...

-Eu não entendo.

-Nem eu! –Ela dá de ombros. –Porque todas as vezes em que a gente ficou eu fiz amor com você e sabia que era isso que os dois tinham feito quando acabava! ...Mas da última vez eu me senti mal, me senti um pertence seu, que você estava tomando posse!

-Não! Você não é isso! ...Você é a pessoa mais importante da minha vida! –Diego segura os ombros dela, mas a garota retira.

-Palavras ironicamente não dizem nada.

 Ela se vira saindo pela porta, com o rebelde atrás. A ida até o colégio ainda renderia muito.

 Atitudes comandadas pelo desejo de chegar ao limite, desejo de beijar a mão da morte, cumprimenta-la com cortesia e depois voltar para casa, para poder deitar no próprio travesseiro e dormir sem pensar em nada.

 Diego e Roberta vão cada um para um lado quando chegam ao colégio. Ele recebe a notícia assim que se senta na cantina para almoçar com Carla, Tomás e Pedro.

-Que cara hein, Diego?

-Morto de fome, né Tomás! –O rapaz puxa a cadeira com uma enorme e lotada bandeja. –O táxi demorou séculos pra tirar a gente daquele fim de mundo onde estávamos.

-E você e a Roberta?

-Nada, ela tá muito magoada... –Ele respira fundo e engole a comida que desce feito pedra.

-De fato ela está, nem veio comer...

-Já souberam? -Alice chega correndo e interrompe Pedro.

-O que foi?

-A Roberta acaba de sair da diretoria com a Eva!

 Os amigos se olham tipo “E daí?”.

-A Roberta vai embora do colégio!! –A patricinha esperneia.

 Perplexos com a notícia os amigos não sabem nem o que perguntar.

-Como assim? Mas que ideia é essa?

-Não sei Carla! Ela e a Eva estavam na diretoria, eu encontrei o meu pai no corredor e ele me disse!

-Mas porque ela sairia? –Tomás, como todos, também se levanta da cadeira.

-Eu não sei, não me explicaram! O Diego deve saber por que ela vai fazer isso!

 E todos o olham enquanto ele está pasmo demais para perceber.

-Diego! –Alice estala os dedos para ver se ele acorda. –Diego, to falando com você! Ei!

 Nenhum deles consegue impedir que o garoto saia feito um tiro pela porta, pegando o corredor direto até a diretoria perguntando a todos que encontram se a viram passar, mas não obtém sucesso.

-Dr. Jonas! –Diego entra sem bater e o diretor se levanta.

-Isso são modos de entrar na minha sala, meu jovem?

-A Roberta vai mesmo embora do colégio?


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