Pular para o conteúdo principal

Cap 64- Minuto a minuto

O elevador leva os três até o andar descrito nas anotações do pai de Pedro. Demoraram um tempo insignificante se comparado ao tempo gasto até chegar ali, mas como é no 21º andar, é difícil que não fiquem impacientes. De um lado a vontade de que tudo acabasse logo, de outra, a que de alguma maneira o elevador demorasse a abrir.
-Vocês não precisavam ter vindo. -Alice se sente culpada.
-Claro que precisávamos! -Tomás se adianta. -Somos amigos e entramos em roubadas juntos quando preciso.
-Ele tem toda razão! Você acha que a gente ia te deixar vir sozinha?
-Claro que não. –Alice se sente segura, não que realmente estivesse.
 Mas é isso que os amigos passam pra gente. Mesmo que não possam fazer muito por nós, somente o fato de estarem ao nosso lado muda todo o cenário do campo de batalha. Armas em mãos ou uma piada entredentes, seja lá o que for que o abajur acenda na sala escura da sua mente, é seu amigo por perto que te mostra na esquisitice o desviar do medo.

 Ao pisar no corredor imponente e elegante ambos sentem um frio na barriga. Olham o corredor creme de estrutura elegante e pensam estar em um outro local, que não o prédio. Alice é rápida ao avança à porta.
-Ei! –Tomás a segura. –Tá pensando em chegar e bater na porta, minha filha?
-E por que não?
-E vai dizer o que “Ah, será que o senhor estelionatário, viu meu namorado por aqui?”...
-Tomás, meu caro...
 Uma mão no ombro do garoto e ele se vira. Os olhos assustados da conversa recém cortada pelo velho e careca, Bartolomeu. Como das outras vezes, vinha bem vestido, terno e gravata e um sorriso irritante no rosto.
-Oi... –Tomás perde o fio da meada.
-Não me diga que veio me procurar?
 A simpatia do homem era ainda mais irritante que seu sorriso. Indicava sempre querer tirar proveito de sua gentileza, mas nunca tirava. Isso deixava uma desconfiança infundada mas especulativa sempre no ar.
-Na verdade, eu vim. –Alice toma a frente, deixando o homem desconcertado.
-Desculpe, eu a conheço?
-Não, mas conhece meu namorado.
-E quem seria o seu namorado?
-Pedro. Ele tá desaparecido desde o cruzeiro e eu acho que você sabe onde ele está. –Alice se arrisca e por um instante espera uma negativa, mas é surpreendida pela resposta.
-Sim, eu sei.
-Sabe? –Alice dá um passo a ele sem pensar. –Eu quero vê-lo!
-Receio que não seja possível. –O homem não hesita em responder nenhuma pergunta, como se não temesse a reação dos rebeldes, ou mesmo se houvesse não parecia se importar.
-Como não é possível? –Tomás discute e Carla o apoia.
-Ele é nosso amigo, sumiu de uma hora pra outra durante o cruzeiro e...
-Eu não aguento mais não saber nada dele! –Alice completa.
-Sinto informar que o seu namorado e o amigo de vocês está a muitos quilômetros daqui, em um cruzeiro pelo Caribe.
-Como? –Todos indagam ao mesmo tempo sem conseguir digerir o que ouvem.
-O senhor pode nos explicar, por que sinceramente...
-Eu explico meu querido Tomás. –O velho inclina a cabeça e apoia as mãos na grande pança estufada de confiança. –Ele agora é meu funcionário.
-Mas ele é menor de idade!
-A mãe do rapaz o emancipou.
-Mas como? Quando? –Alice fica agitada e ainda mais confusa.
-A única coisa da qual vocês precisam saber é que o rapaz voltará em breve. –Ele faz uma pausa e aproxima o rosto deles, abaixando a voz. –Se eu fosse vocês não voltaria aqui.
-Está nos ameaçando? –Alice recua.
-De modo algum. –Ele é irônico. –Mas o retorno de Pedro pode ser retardado por culpa de especulações... Ou...
-Ou o que? –Tomás cruza os braços se impondo, mas está amedrontado tanto quanto as meninas.
-Pode ser que ele jamais volte. –Bartolomeu é tenebroso ao falar, mas logo retoma um modo casual e gentil. –Vocês sabem! São jovens também! Um cruzeiro pelo Caribe é o sonho de qualquer jovem, pode ser que ele não queira voltar...

 A conversa sinistra e confusa que os três têm com o velho Bartolomeu, naquele corredor vazio do 21º andar, ainda fica na mente dos rebeldes quando descem. Não poderiam dizer nada, pois a vida de Pedro estava em risco, coisa que o próprio rebelde talvez nem desconfiasse. O problema era que naquela noite da visita do misterioso homem à casa de Beth ela havia assinado alguns papéis, entre eles, a emancipação do filho. Outro problema é que Pedro não estava sequestrado, estava a “trabalho”, o tipo de trabalho é que não é conhecido. Então tudo isso deixa todos de mãos atadas. Não podem fazer nada, não tem como acusar ninguém de nada, nem mesmo tentar buscar o amigo nessa distância. A única coisa que poderiam fazer era realmente esperar.


 Na casa dos Maldonados o dia passa tranquilo. Sílvia e Márcia conversam na sala durante aquela tarde.
-Então você ainda não disse nada?
-Quando você me avisou que o Diego tava passando mal o seu pai já havia saído, tinha uma reunião na empresa... –Sílvia põe a mão na testa puxando a memória. –Pediu pra que não ligássemos por nada!
-Mas o filho dele tá doente!
-O Diego já tá bem, até aquela dor de cabeça persistente ele disse que já está bem melhor.
-Ah, com a Roberta cuidando dele também! –Márcia ri.
-Aquela menina é um amor!
 Márcia faz uma cara de espanto e espera a continuação.
-É... Eu nunca pensei que diria isso na vida, mas realmente as aparências enganam... Você não imagina o dengo com que ela tá cuidando do seu irmão! Tão prestativa, atenciosa...
-Ela é sim, mas só algumas pessoas conhecem esse lado da Roberta, alguns só enxergam a selvageria! –Márcia sente algo lhe vir à mente. –O meu pai mesmo, não gosta muito do namoro do meu irmão com ela...
-O Léo precisa conhecer melhor o mundo do Diego, não é necessário que ele goste, mas precisa respeitar o que o Diego respeita e valorizar o que ele valoriza... Antes que perca de vez a admiração do filho.
-Você acha que isso pode acontecer? O meu irmão admira muito o nosso pai. –A menina não acredita na possibilidade.
-Bom... O que eu acho... –Sílvia desvia o olhar para um vasinho com uma plantinha verde na mesinha de centro. –É que tudo nessa vida pode acabar se a gente quiser...
 As duas continuam conversando e Sílvia parece ter razão. Todo tipo de sentimento, seja ele bom ou ruim, nós temos capacidade de criar. Sim, de criar, dar vida a ele!... Mas deste mesmo modo, temos também o poder de matar todo e qualquer sentimento com essa mesma força.
 Tudo o que sentimos é feito por nós mesmos, então destruir uma obra que nós mesmos fizemos ou construí-la sempre outra vez, não é uma tarefa impossível. Às vezes ela só não é consciente...

 A cama sob a janela está quieta. A luz que entra se torna mais fraca, o tempo começa a ter de novo as nuvens fechadas em pleno iniciar da tarde.
 Roberta apoia o ombro na cabeceira da cama, deita de lado com os joelhos flexionados. Um dos pés um pouco mais estirado no lençol branco parecia juntar os dedinhos com o frio. Deitado sobre seu peito está Diego, com o braço esquerdo caído envolvendo sua cintura, o rosto não continham traços de dor ou mal estar.
-Você não devia ficar aqui. –Diego diz do nada.
-Não devia?
-E se o que eu tenho for um vírus? Você pode pegar, sabia?
-Eu não ligo. –Ela passa a mão em sua testa e lhe dá um beijo. –Além do mais eu não fico doente fácil.
-Mas eu não quero que você fique doente. –Ele faz um ar preocupado.
-Ah, se eu ficar também...
-Nada disso. –Diego é rápido ao falar. –Eu prefiro que você fique longe.
-Sério? –Ela faz dengo.
-Eu ficaria maluco longe de você, mas se isso fosse o seu bem, eu não me importaria de sofrer.
-Awn... Você tá muito dramático hoje, sabia?
-É... –Diego admite. –Acho que...
 Sua fala é surpreendida inusitadamente pela boca de Roberta que o molha segundos eternos sem lhe permitir uma palavra triste.
-Chega disso. –Ela sela com um último beijo apertado. –A gente perde muita coisa boa quando fala de coisa ruim...
 E assim, com um sorriso após cada beijo, Roberta vai tirando de Diego, minuto a minuto, toda e qualquer melancolia. Esses dias feios geralmente fazem isso com a gente, trazem pra dentro de nós a sua tensa imagem que depois fica querendo devolver tudo, deixando explodir de uma vez no cenário próprio a ele os sentimentos que o brilho do sol tem o poder de curar.

 Quem os vesse teria a impressão de que estavam se protegendo mutuamente, que estavam no mesmo sonho ou na mesma sintonia em um lugar que não era ali...
 O sono os roubado após o almoço. Ajeitam-se e vão apagando pouco a pouco com os carinhos, com as conversas à toa, com o mexer dos dedos um no outro, e vão escorrendo até quase ficarem deitados. Ela frente a ele, servindo de um aconchegante travesseiro no qual Diego se largava.
 Uma brisa fria ronda o quarto e faz com que Roberta se encolha e deite o rosto sobre a cabeça de Diego. Sua respiração adormecida adentra nos ouvidos dele como uma música pacífica e confortante. Um tapete de calor que compunha cada peça dos pensamentos, cobrindo todas as angústias que um dia existiram.

 Todos já haviam almoçado e a casa estava silenciosa quando Leonardo retorna. O rosto não demostrava muita satisfação.
-Cadê todo mundo? –Ele pergunta à empregada que passa despercebida.
-A patroa e a menina saíram com os bebês. O seu filho está no quarto com a namorada.
-Como? –O homem se enfurece.
-Ela tá...
 A mulher de meia idade, vestindo o uniforme azul celeste e de coque no alto da cabeça, quase se arrepende do que diz ao ver que o patrão sobe as escadas sem mal esperar que ela termine de falar. Mas não... O patrão deveria saber que Roberta estava ali cuidando de Diego, nada mais que isso.


 <<Cap 63            Cap 65>>

Postagens mais visitadas deste blog

Despedida

Obrigada a todas e todos por terem estado comigo até agora. Me perdoem qualquer coisa e um beijo enorme no coração de cada um. Eu gostaria de poder ter feito melhor em todo esse tempo, mas juro que o fiz foi de coração e tive um enorme prazer em estar aqui. Era uma escritora bastante amadora, mas me diverti demais e me senti abençoada com a companhia de cada um. Quem quiser me seguir no Wattpad, estou escrevendo outras histórias por lá >>>  AlineStechitti

Cap 122 - R, D & N

Quando passa pelo corredor, Nina vê várias pessoas sorrindo e acenando para ela. "Você tem fãs, está vendo?" Diego cochicha e seu ouvido. "Estão todos felizes por você estar com seu papais de novo." "Verdade?" "Verdade." Nina olha por cima dos ombros do pai enquanto ele caminha e então acena para as pessoas no corredor, sorrindo como nunca.  Quando entra no quarto, ainda no colo do pai, Nina vasculha tudo com os olhos e acha o lugar muito estranho, como o quarto do Seu Ângelo. A mãe está deitada, tem vários machucadinhos pelo corpo e longos fios saem dela, ligados em máquinas estranhas. Diego ergue a filha até próximo ao rosto adormecido de Roberta e Nina dá um beijinho na testa dela. “Atchim!!” Ao despertar e abrir os olhos, Roberta vislumbra um borrão que acha encantador e não contém o riso. Olhinhos muito assustados a miram perdidos e curiosos. “Desculpa, mamãe!” Nina funga e esfrega o nariz. “Oi, meu amorzinho.” Ela sorri e estica os b

Cap 124 - Como se fosse a primeira vez

O entardecer estava fresco na praia. Roberta deitava a cabeça no colo de Diego enquanto ele olhava o horizonte. Nina estava brincando com a areia e nem os percebia. Era fácil para os três ficarem em transe quando estavam diante do oceano. "Você acredita que passou tanto tempo assim, Diego?" "É bem difícil de acreditar..." "Temos uma filha... E temos essas argolas nos dedos que dizem à sociedade que pertencemos um ao outro." Ela ri olhando a aliança. "Eu pertenço." Ele a olha de cima e Roberta se levanta. "Posso dar um beijo no meu marido?" Diego deixa aquele tipo de riso manso escapar quando ela encosta os lábios nos dele. O barulho do mar se mescla ao barulho das conchinhas que Nina recolhe e a todo momento deixa cair, despencando dos seus braços em uma cascata de cores marinhas. Os amigos os questionavam por terem levado a filha para a lua de mel, mas eles tinham sempre a mesma resposta: "Nós vivemos em lua de mel!&qu