Cap 63 - Você é o meu anjo, sabia?

 Quando o dia amanhece na casa dos Maldonado, Márcia sente falta do irmão na mesa do café.

-Cadê o Diego?

-Ele deve tá dormindo, ontem já era tarde e ele ainda não tinha ido dormir, estava muito chateado. -Sílvia toma um suco de laranja entre uma palavra e outra sem olhar para o marido que entende a indireta.

-Chateado... -Ele repete irônico. -Ele que apronta e você quer que eu fique com remorso.

-Foi um exagero e você sabe...

-Então... Eu vou lá chamar ele... -Márcia se oferece a isso, tanto por querer chamar o irmão, tanto por querer fugir da discussãozinha que se iniciava na mesa.

 Ela os deixa ainda falando e sobe as escadas até o quarto.

-Diego. -Ela bate na porta. -Tá acordado?

 Sem ouvir nenhuma resposta ela então entra, mas se assusta ao ver a cama arrumada e o irmão na poltrona.

-Você dormiu aí?

 Diego abre os olhos com o susto de ver a irmã à sua frente.

-Pelo visto... -Ele esfrega o rosto.

-O que você tem?

-Por quê?...

-Não parece bem. -Márcia põe a mão em sua testa. -Você tá com febre! Também... Tomou aquela chuva gelada e passou a madrugada toda nesse sofá com a roupa molhada!

 Diego leva uma mão à cabeça e outra ao pescoço com os olhos um pouco fechados.

-Minha garganta. –A expressão é de dor.

-Eu vou chamar a Sílvia.

 Na casa de Eva, as meninas estão bem acordadas, mas não descem para tomar café, aproveitando que não haviam sido acordadas por Franco para isso.

-Esse bloco tem só alguns nomes, Roberta. –Alice cruza as pernas sobre a cama com Roberta na mesma posição aos pés da cama.

-Você não leu o nome que está na capa?

-Li, e daí?

-Alice! –A menina esperava que ela ligasse as coisas. –O nome da capa é do pai do Pedro, o que quer dizer que esse bloquinho pertencia a ele!

-E o que tem isso?

-Dentro desse bloco tem um endereço e um telefone destacados com um círculo.

-E? -Alice observa o que a amiga diz, mas ainda não encontra o sentido de tudo isso.

-O nome é Bartolomeu Marques. Empresário. –Roberta fica ansiosa na fala como ficaria um verdadeiro investigador.

-Mas quem é Bartolomeu Marques?

-Não se lembra de que no cassino o Tomás e o Pedro conheceram um Sr. Bartolomeu e ele ajudou eles a entrar no cassino e puderam jogar à vontade várias vezes?

-Claro! –Alice sente a memória voltar.

-Então, o pai do Pedro vivia envolvido com jogo e pelo que ouvi ontem na casa da Beth, parece que ela conhece as pessoas que estão com o Pedro.

-Isso quer dizer que esse Bartolomeu que os garotos conheceram é o mesmo que afundou o pai do Pedro?

-Isso.

-E agora tá querendo levar o Pedro também? –Ela se assusta com a ideia.

-É o que eu acho.

-Mas como essas anotações foram parar no quarto do Pedro?

-Acho que a mãe dele deve ter levado, porque tava tipo jogado, largado mesmo em cima da cômoda, parece que ela tava procurando o endereço, talvez quisesse ir atrás do Pedro.

-A gente precisa ir atrás dele! –Alice se levanta com rapidez e esperança.

-Tá, mas, vamos chamar os outros... A gente passa na casa do Diego, depois do Tomás e da Carla.

-E como vamos chegar nesse lugar? O que vamos dizer?

-Ah, no caminho a gente pensa em algo...

 As duas se levantam e saem conversando, combinando o plano que seria posto em prática para encontrar o amigo, ou ao menos o responsável por seu sumiço. Não estavam medindo consequências nem imaginam os perigos que se corre ao encontrar um desconhecido.

 Mais uma vez, o táxi é a ferramenta usada para despistar os pais. As duas chegam à casa de Diego ainda muito cedo.

-Roberta! –Sílvia a recebe com um sorriso. Ela cumprimenta também Alice e logo interroga. –O Diego te ligou?

-Não, na verdade eu vim chamar ele pra dar uma volta. –Roberta parece nervosa com a mentira e a ansiedade de ir logo.

-Então ele não te avisou... –A mulher fala consigo mesma.

-Falou o quê?

-Bom... Ele tá meio doentinho.

-Doente? –Roberta se assusta

-Não é nada grave, ele...

 Sílvia não tem tempo de falar, pois Roberta dá a volta por ela e avança escada à cima, como se não houvesse mais ninguém no mundo além de Diego. Talvez para ela não houvesse mesmo.

-Nossa. –Sílvia se volta para Alice. –Ela nem quis ouvir.

-Ela só ouviu o que importa pra ela.

-O que?

-Diego. –Alice dá um breve sorriso.

 Já no quarto, a porta é aberta no exato momento em que Diego está levantando da cama.

Roberta o olha com uma certa observação minuciosa. Espera ver que era tudo um engano e ele estava bem e tão forte como sempre.

 Os dois se olham por milésimos de segundo antes de se aproximar, e a impressão que se tem é que tantas coisas são ditas, mas nenhuma se traduz.

-Você tá bem?... –Ela diz com a voz terna, segurando os dedos de modo ainda ansioso.

 Diego abre os braços para ela com um sorriso fraco e ela adentra nele apertando-o contra o corpo.

-Tô ótimo...

-Como ótimo? –Ela leva as mãos ao seu rosto. –Você tá com febre!

-E minha garganta tá me matando.

-Então eu não entendi.

-É porque você é tudo que eu queria hoje.

-Awn... –Roberta lhe dá um beijo suave, daqueles que quase despertam, mas ainda ficam na superfície trazendo a vontade da continuação. –Aonde você ia desse jeito? Pode ir deitando.

-Sei lá, andar... Eu odeio ficar doente. –Ele se deita enquanto Roberta ajeita suas pernas na cama sentando-se frente a ele.

-O que aconteceu?

-Foi a chuva de ontem, eu...

-Não estou falando disso.

-Então do que você tá falando? –Ele tem os olhos com tons adormecidos, levemente inchados da noite mal dormida.

-Aconteceu alguma coisa.

-É... Aconteceu.

-E você vai me contar? –Ela ergue os olhos a ele.

-Eu tive uma briga feia com meu pai.

-Sério? Mas, por causa da gente ter saído?

-Não... –Diego se ajeita na cabeceira da cama. –Ele não me acha digno de ser filho dele.

-Como assim? –Roberta franze a testa sem acreditar.

-Isso mesmo. –Diego tem um gesto rancoroso. –Ele me disse coisas que você não faz ideia... Eu me senti um lixo.

-Não! –Ela se aproxima segurando seu rosto. –Você é muito melhor que ele.

-Você só diz isso porque...

-Porque nada! –Ela o corrige. –Não é porque eu te amo que eu vou ficar mentindo pra te agradar. Você é sim, um cara que vale à pena, é inteligente, leal, amigo, carinhoso e lindo...

 Conforme ela fala, Diego vai se esquecendo do amargor que tem no coração e até do mal estar. O sorriso dela que aumentava a cada palavra, parecia um raio de sol em sua mente ainda fria, trazendo um pouco de calor, um pouco de paz e um rastro de vida que se estenderia naquela manhã.

-Você é o meu anjo, sabia?... –Diego começa a sorrir. –Um anjo com taxas e caveiras!

-Hã... Bobo... –Ela lhe dá um novo beijo que é interrompido por Sílvia.

-Desculpa gente, vim trazer o remédio do nosso doentinho. –Um copo de água e um vidro de xarope é suficiente para que Diego fizesse uma péssima cara.

-Eu vou ter que tomar isso?

-Claro, como você acha que vai ficar bom?

-Mas eu vou ficar bem... A dor vai passar sozinha e...

-Não senhor, você não pode se descuidar, você...

-Ah... Sílvia... –Roberta se levanta os cortando e o olhar que lança a Sílvia é rapidamente entendido.

-Ok, então. Eu vou deixar o remédio aqui e vou ver as crianças. –Ela coloca a bandeja na cômoda ao lado da cama. -Deixo esse menino em sua responsabilidade, Roberta.

-Pode deixar que eu vou cuidar muito bem dele! –Ela brinca.

-A Alice pediu para avisar que estava indo para Vila Lene.

-Ah, sim, valeu!

-Volto em 15 minutos.

 E o dia começava diferente do anterior. Já havia sol na janela, as nuvens ainda cobriam o céu, mas já estava mais claro, mesmo com o frio leve que ainda teimava.

 Roberta e Diego permanecem sozinhos por esses minutos até que a madrasta do rapaz retorna.

-E aí? –Ela arreda a porta com um sorriso e logo entra. –Como você está?

-Muito bem! –Diego ajeita a cabeça no colo de Roberta sobre um travesseiro.

-Eu trouxe um comprimido pra sua dor de cabeça, você tomou o remédio pra garganta?

-Tomei.

-Sério? -Ela nem esperava a afirmação.

-Com a Roberta fazendo covardia... 

-Hum... Covardia... –A menina o olha como quem diz “Até parece...”

-Roberta, como você conseguiu isso?

-Deixa eu mostrar. -Ela estende a mão e pega o comprimido e o copo de água.

 Diego se levanta e apoia a cabeça em seu ombro. Ele segura o copo de água e ao engolir o remédio Roberta passa os dedos em sua boca limpando o excesso de água e junta sua boca apertando e depositando os lábios em um intendo beijo. O rebelde se afunda nos carinhos e nos braços dela.

 Sílvia balança a cabeça de um lado e outro.

-Tô vendo que esse vai se curar rapidinho!

 Os namorados ficam rindo. Diego nem parece o mesmo da noite anterior, já tem uma luz nova no rosto, uma diferença no ser. E quando Sílvia sai, até se entusiasma em saber mais das novidades do desaparecimento de Pedro.

-Você acha que os outros foram no endereço que você achou na casa da Beth?

-A Alice não atende o celular, mas com certeza foram. –Roberta passa os dedos entre os cabelos dele, que volta a deitar em seu colo.

 O rapaz brinca com os joelhos dela esticados na cama.

-Isso é muito perigoso.

-Mas o Pedro é nosso amigo.

-Você queria ter ido?

-Não.

-Não? –Ele estranha. –Mas ele é o seu melhor amigo!

-Hoje eu não arredo pé de perto de você. –Ela faz uma cara feia e depois desfaz. -De jeito nenhum eu deixo você...

-Hum... –Ele fica nitidamente feliz com a resposta.

 A manhã vai aderindo as manhas, as normas bobas dos olhares pidões, às necessidades desnecessárias que todos temos de um carinho, de um toque ou de uma presença, que na maioria das vezes é o melhor dos remédios.

 Do outro lado da cidade, os três rebeldes se preparam para entrar no prédio que constava o endereço do bloco de anotações.

-E aí? –Tomás olha para as meninas impaciente. –A gente vai ou não?

-Eu acho muito perigoso! –Carla insiste.

-Mas eu não! –Alice avança sem medo, parece ter tudo, menos medo.

-Alice! –Os dois a gritam, mas não recebem atenção.

 Ao verem que Alice entra, o casal sai da calçada e a segue para dentro do lugar.

Os riscos que eles corriam eram desconhecidos, mas Tomás e Carla não podiam deixar que a amiga entrasse só, pois seria ainda muito mais. Então se é pra isso que servem os amigos... Encrencas da vida, lá vamos nós!

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